1984 (português)

6.

Winston escrevia em seu diário:

Foi há três anos. Numa noite escura, numa ruazinha estreita, perto de uma das grandes estações de trem. Ela estava parada perto de uma porta encravada no muro, debaixo da lâmpada de um poste que não iluminava nada. Tinha um rosto jovem, muito maquiado. Foi a maquiagem, aliás, o que mais me atraiu, a brancura que aquilo dava ao rosto dela, como se fosse uma máscara, e o vermelho vivo dos lábios. As mulheres do Partido nunca se pintam. Não tinha mais ninguém na rua e nenhuma teletela à vista. Ela disse que o preço era dois dólares. Eu...

Por enquanto estava difícil prosseguir. Winston fechou os olhos e os comprimiu com os dedos, tentando expulsar a imagem que insistia em voltar. Sentia a tentação quase irresistível de proferir a plenos pulmões uma sequência de palavras obscenas. Ou de bater com a cabeça na parede, chutar a mesa e jogar o vidro de tinta pela janela — qualquer ato colérico, barulhento ou doloroso que pudesse apagar a lembrança que o atormentava.


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