1984 (português)

7.

Winston acordara com lágrimas nos olhos. Julia, sonolenta, rolou para perto dele murmurando alguma coisa que talvez fosse “Qual é o problema?”.

“Sonhei...”, começou ele, e em seguida se calou. Era complexo demais para traduzir em palavras. Havia o sonho em si, e havia uma lembrança associada ao sonho que aflorara em sua mente alguns segundos depois de ele acordar.

Sem abrir os olhos, Winston continuou deitado, ainda embebido pela atmosfera do sonho. Era um sonho vasto, luminoso, no qual sua vida inteira parecia estender-se diante dele como uma paisagem depois da chuva numa tarde de verão. Tudo o que acontecera, acontecera no interior do peso de papel de vidro, mas a superfície do vidro era a abóbada celeste, e no interior da abóbada celeste tudo estava inundado de uma luz muito clara e suave que permitia que se visse a distâncias intermináveis. O sonho também estava embutido num gesto com o braço feito por sua mãe — na verdade, em certo sentido o sonho era exatamente aquele gesto —, e repetido trinta anos depois pela mulher judia que vira no noticiário tentando proteger o garotinho das balas, antes que os helicópteros os atingissem e destroçassem.

“Você sabe”, disse ele, “que até este momento eu achava que tinha assassinado minha mãe?”

“Por que você assassinou sua mãe?”, perguntou Julia, meio adormecida.

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