1984 (português)

9.

Winston estava gelatinoso de cansaço. Gelatinoso era a palavra certa. Ela aparecera espontaneamente em sua cabeça. Seu corpo parecia não apenas ter a debilidade da gelatina como sua translucidez. Sentia que se erguesse a mão poderia ver a luz através dela. Todo o sangue e toda a linfa haviam sido drenados de seu corpo por um imenso excesso de trabalho, deixando apenas uma frágil estrutura de nervos, ossos e pele. Todas as sensações pareciam ampliadas. O macacão lhe roçava os ombros, o calçamento lhe fazia cócegas nos pés. Mesmo o esforço de abrir e fechar a mão fazia suas juntas ranger.

Em cinco dias, trabalhara mais de noventa horas — ele e todo o pessoal do Ministério. Agora estava tudo acabado e ele não tinha nada a fazer, literalmente. Nenhum tipo de tarefa do Partido até a manhã seguinte. Podia passar seis horas no esconderijo e outras nove em sua própria cama. Devagar, sob o sol ameno da tarde, seguiu por uma rua imunda na direção da lojinha do sr. Charrington, sempre atento à possibilidade de aparecer alguma patrulha, mas irracionalmente convencido de que naquela tarde não havia perigo de que alguém fosse perturbá-lo. Sua pesada pasta batia em seu joelho a cada passo que dava. Dentro estava o livro, que permaneceria em suas mãos por seis dias e que ainda não abrira. Nem sequer dera uma olhadinha nele.

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