1984 (português)

Abriu o diário. Era importante escrever alguma coisa. Na teletela, a mulher principiara outra canção. Sua voz parecia cravar-se no cérebro de Winston como cacos pontiagudos de vidro. Winston tentou pensar em O’Brien, por quem, ou para quem, o diário estava sendo escrito, mas em vez disso começou a pensar no que aconteceria com ele depois que a Polícia das Ideias o levasse. Não faria diferença se o matassem na mesma hora. Era previsível que fosse morto. Contudo, antes da morte (ninguém falava sobre isso, e no entanto a coisa era do conhecimento geral), seria preciso passar pela rotina da confissão: rastejar pelo chão, implorar clemência, ouvir o estalido dos ossos se partindo, ter os dentes quebrados, ver os chumaços de cabelo ensanguentado. Por que submeter as pessoas àquilo, se o fim era sempre o mesmo? Por que não encurtar a vida delas em alguns dias ou semanas? Ninguém jamais se livrara da detenção e ninguém jamais deixara de confessar. A partir do momento em que a pessoa sucumbia ao pensamento-crime, fatalmente estaria morta dali a determinado tempo. Por que então aquele horror — que não modificava nada — tinha de estar embutido no futuro?




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