1984 (português)

Estava um calor de matar. No labiríntico Ministério, as salas sem janelas, ventiladas por aparelhos de ar condicionado, mantinham a temperatura habitual, mas do lado de fora os calçamentos esfolavam os pés dos caminhantes e o mau cheiro do metrô na hora do pico era tremendo. Os preparativos para a Semana do Ódio iam de vento em popa, e os funcionários de todos os ministérios trabalhavam além do horário. Desfiles, reuniões, paradas militares, conferências, exposições de personagens de cera, exibições de filmes, programas de teletela — era preciso organizar tudo; era preciso construir estandes e imagens, criar slogans, compor músicas, fazer circular boatos, forjar fotografias. A seção de Julia no Departamento de Ficção fora desligada da produção de romances e estava criando em regime de urgência uma série de panfletos sobre atrocidades. Winston, além de fazer seu trabalho regulamentar, passava longos períodos, todos os dias, verificando arquivos antigos do Times e alterando e embelezando trechos de notícias que depois seriam citadas nos discursos. Tarde da noite, quando levas de proletas desordeiros perambulavam pelas ruas, a cidade exibia um ar estranhamente febril. As bombas-foguetes estouravam com maior frequência do que nunca e às vezes, à distância, bem longe, ouviam-se explosões fortíssimas que ninguém sabia explicar e sobre as quais corriam boatos dantescos.

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