1984 (português)

Winston refletiu. Não parecia ter mais nenhuma pergunta que quisesse fazer e não sentia a menor vontade de dizer generalidades presunçosas. Em vez de algo diretamente relacionado com O’Brien ou com a Confraria, o que lhe veio à mente foi uma imagem em que se misturavam o quarto escuro onde sua mãe passara os últimos dias de sua vida, o comodozinho sobre a loja do sr. Charrington, o peso de papéis de vidro e a gravura de aço com sua moldura de pau-rosa. Disse quase à toa:

“Por acaso já ouviu uma velha quadrinha que começa assim: Sem casca nem semente, dizem os sinos da São Clemente?”.

O’Brien tornou a fazer que sim com a cabeça. Com uma espécie de cortesia solene, completou a estrofe:

Sem casca nem semente, dizem os sinos da São Clemente,

Esses vinténs são pra mim, cantam os sinos da São Martim...

E o culpado, quem é, afinal?, perguntam os sinos do Tribunal...

A culpa é da Judite, respondem os sinos de Shoreditch.

“Você sabia o último verso!”, exclamou Winston.

“É verdade, eu sabia o último verso. E agora, infelizmente, está na hora de você ir. Espere. É melhor pôr uma dessas pastilhas na boca.”

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