1984 (português)

A mutabilidade do passado é o ponto central da doutrina do Socing. Afirma-se que os fatos passados não têm existência objetiva e que sobrevivem apenas em registros escritos e nas memórias humanas. O passado é tudo aquilo a respeito do que há coincidência entre registros e memórias. Considerando que o Partido mantém absoluto controle sobre todos os registros e sobre todas as mentes de seus membros, decorre que o passado é tudo aquilo que o Partido decide que ele seja. Decorre ainda que, embora seja possível alterar o passado, o passado jamais foi alterado em nenhuma instância específica. Isso porque nas ocasiões em que é recriado na forma exigida pelas circunstâncias, a nova versão passa a ser o passado, e nenhum outro passado pode ter existido algum dia. Esse sistema funciona inclusive quando — como acontece muitas vezes — o mesmo fato precisa ser profundamente alterado diversas vezes no mesmo ano. Em todas as ocasiões, o Partido detém a verdade absoluta, e fica evidente que o absoluto jamais poderia ter sido diferente do que aquilo que passou a ser. Veremos que o controle do passado depende acima de tudo do treinamento da memória. Garantir que todos os registros escritos estão de acordo com a ortodoxia do momento é um mero ato mecânico. Mas é necessário lembrar-se que os fatos se passaram da maneira desejada. E caso seja necessário reorganizar nossas memórias ou alterar os registros escritos, também será necessário esquecer que o fizemos. O modo como se produz isso pode ser aprendido, como qualquer outra técnica mental. E ele é aprendido pela maioria dos membros do Partido: certamente por todos os que são ao mesmo tempo inteligentes e ortodoxos. Em Velhafala isso recebe o nome muito direto de “controle da realidade”. Em Novafala é o duplipensamento, embora o termo duplipensamento também abranja muitas outras coisas.

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