1984 (português)

Sentou-se quieto outra vez, mãos cruzadas sobre o joelho. Antes de ser levado para lá, estivera em outro lugar, que devia ser uma prisão comum ou um depósito temporário usado pelas patrulhas. Não sabia quanto tempo ficara ali; algumas horas, de qualquer forma; sem relógio e sem luz do dia, era difícil calcular o tempo. Era um lugar barulhento e malcheiroso. Tinha sido levado para uma cela parecida com aquela de agora, só que imunda e lotada o tempo todo com dez, quinze pessoas. A maioria delas era de criminosos comuns, porém havia alguns presos políticos. Sentara-se em silêncio com as costas apoiadas na parede, empurrado por corpos sujos, tomado demais pelo medo e pela dor no estômago para sentir maior interesse pelo que o cercava, mas ainda assim percebendo a espantosa diferença entre a atitude dos prisioneiros do Partido e os outros. Os do Partido estavam sempre em silêncio e aterrorizados, enquanto os criminosos comuns pareciam não dar a mínima para ninguém. Insultavam os guardas aos berros, defendiam-se ferozmente quando seus pertences eram confiscados, escreviam palavras obscenas no chão, comiam alimentos que tiravam de esconderijos misteriosos na roupa e até gritavam mais alto que a teletela quando ela procurava restabelecer a ordem. Por outro lado, alguns pareciam manter boas relações com os guardas, que chamavam por apelidos e os quais tentavam subornar passando cigarros pelo postigo da porta. Os guardas também tratavam os criminosos comuns com certa tolerância, mesmo nas ocasiões em que eram obrigados a usar de brutalidade. Falava-se muito sobre os campos de trabalho forçado para onde a maioria daqueles presos supunha que seria enviada. Pelo que Winston entendeu, os campos “não eram problema” desde que você tivesse bons contatos e conhecesse as manhas. Havia suborno, favoritismo e extorsão de todo tipo, havia homossexualidade e prostituição, havia até álcool clandestino, destilado de batatas. Os cargos de confiança eram reservados para os criminosos comuns, em especial os malfeitores e assassinos, que formavam uma espécie de aristocracia. Todo o trabalho sujo era feito pelos presos políticos.

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