1984 (português)

Com aquela primeira pancada no cotovelo tivera início o pesadelo. Mais tarde, Winston viria a se dar conta de que aquilo não passara de um interrogatório preliminar, rotineiro, a que quase todos os presos eram submetidos. Havia uma ampla variedade de crimes — espionagem, sabotagem e que tais — que todos eram obrigados a confessar. A confissão era uma formalidade, embora a tortura fosse real. Quantas vezes apanhara, e por quanto tempo, não recordava. Havia sempre cinco ou seis homens de uniforme preto batendo nele ao mesmo tempo. Às vezes eram punhos, às vezes cassetetes, às vezes varas de aço, às vezes botas. Havia ocasiões em que ele rolava indignamente pelo chão, como um animal, revirando o corpo para um lado e para o outro, num esforço incessante e desesperado de se esquivar dos chutes, mas só conseguindo incitar mais e mais chutes nas costelas, na barriga, nos cotovelos, nas canelas, na virilha, nos testículos, na base da coluna. Havia ocasiões em que a coisa se prolongava tanto, tanto, que o que lhe parecia realmente cruel, perverso e indesculpável não era os guardas continuarem batendo nele, mas que não conseguisse se obrigar a perder a consciência. Havia ocasiões em que a coragem o abandonava de tal forma que ele se punha a pedir clemência antes mesmo que a pancadaria começasse, ocasiões em que a simples visão de um punho se preparando para desferir o murro era o que bastava para fazê-lo confessar uma profusão de crimes reais e imaginários. Havia também ocasiões em que começava decidido a não confessar coisa nenhuma, quando cada palavra tinha de ser extraída dele, entre um e outro gemido de dor, e havia ocasiões em que buscava debilmente uma solução conciliatória, quando dizia a si mesmo: “Vou confessar, mas daqui a pouco. Preciso aguentar até a dor ficar insuportável. Mais três chutes, mais dois chutes, depois conto o que eles querem”. Às vezes batiam tanto nele que Winston mal conseguia ficar em pé, depois o atiravam feito um saco de batatas no chão de pedras de uma cela e o deixavam ali por algumas horas, até que se recuperasse e ficasse pronto para novos maus-tratos. Também havia períodos mais longos de recuperação. Lembrava-se vagamente deles, pois passava-os dormindo ou em estado letárgico. Lembrava-se de uma cela com uma cama de tábuas, uma espécie de prateleira presa à parede, uma pia de latão e refeições compostas de sopa quente, pão e às vezes café. Lembrava-se de um barbeiro carrancudo que vinha fazer sua barba e cortar seu cabelo, e também de homens de jaleco branco, sempre muito sérios e antipáticos, que tomavam seu pulso, examinavam seus reflexos, levantavam suas pálpebras, tateavam-no com dedos brutos à procura de ossos quebrados e espetavam agulhas em seu braço para fazê-lo dormir.

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