1984 (português)

A peculiar reverência por O’Brien, que nada parecia capaz de destruir, invadiu novamente o coração de Winston. Que inteligente, ele pensou, que inteligente! O’Brien nunca deixava de compreender o que lhe era dito. Qualquer outra pessoa na face da terra teria respondido prontamente que ele tinha traído Julia. Afinal, o que é que não lhe fora extraído com as torturas? Ele lhes revelara tudo o que sabia sobre ela, seus hábitos, sua personalidade, sua vida pregressa. Confessara até os mínimos detalhes tudo o que acontecera em seus encontros, tudo o que ele lhe dissera e ela a ele, suas refeições obtidas no mercado negro, seus adultérios, seus vagos planos contra o Partido — tudo. Porém, no sentido em que pretendera empregar a palavra, não a traíra: não deixara de amá-la. Seus sentimentos por ela permaneciam intatos. O’Brien percebera o que ele quisera dizer sem que fosse preciso explicar.

“Diga-me”, falou, “quando é que vão me matar?”

“Pode demorar”, respondeu O’Brien. “Você é um caso difícil. Mas não perca as esperanças. Mais cedo ou mais tarde, todos se curam. No fim, nós o mataremos.”

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